sexta-feira, 6 de março de 2015

Machismo pode matar

No início é um grito, uma ordem, uma ofensa. Depois surgem os primeiros empurrões, puxões de cabelo, o tapa na cara, o murro. Sangue a cada discussão passa a não ser mais novidade, seja qual for o motivo. Em geral, justificado por levar culpa à própria vítima. “Me desrespeitou”, “deu bola para outro”, “estava de saia curta”... Se filhos estiverem em casa, passam a sofrer com uma dor que não tem fim.
E se não houver fim por uma fuga, pode ter o fim na morte. O machismo surge escancarado em escândalos no meio da rua, ou se esconde em silêncios de terror no próprio ambiente doméstico. Vem do colega de trabalho, do familiar, do desconhecido, das expressões preconceituosas, da “brincadeira” vulgar. Em pleno ano de 2015, o Brasil, mesmo com tantas conquistas da mulher, ainda assiste boquiaberto às agressões e os assassinatos, mas há quem compreenda, com cumplicidade criminosa, quando as mulheres são subjugadas.  Os números não conseguem traduzir o horror do machismo, mas são indicativos práticos do quanto ainda não sabemos ou fingimos que não existe. Na semana da mulher, esse é apenas mais um grito.
      A cumplicidade com as agressões estão vestidas com diversos trajes, em diferentes ambientes, sob a égide da sociedade patriarcal. O país que, vez por outra, ouve políticos encherem a boca para se orgulham do próprio conservadorismo ainda não tem uma cultura de denúncia. Um dos casos diferenciados, segundo especialistas, é o do Distrito Federal, onde, teoricamente, com uma população mais esclarecida, as mulheres buscam mais seus direitos. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, aproximadamente 40 mulheres foram vítimas diárias da violência doméstica durante o ano de 2014. Nesse período, os órgãos de defesa da mulher registraram 14,1 mil denúncias de agressão nas delegacias da capital e das regiões administrativas. A populosa Ceilândia é a campeã desse terror anunciado (2.239 casos).  Em 2011, o DF era a sétima União Federativa com maior número de assassinatos de mulheres, com 5,8 homicídios por grupos de 100 mil mulheres. Em 2013, a cada duas horas, uma mulher morria no Brasil vítima da violência, de acordo com pesquisa do Ministério da Justiça. O secretário do ministério na época, Flávio Crocce Caetano, informou que foram registrados 50.617 estupros no país em 2012.
      Tanta agressão assustou os brasileiros quando o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou uma pesquisa de resultados aterradores. Um erro na formatação dos dados, depois, chamou mais atenção do que o próprio resultado e amenizou o impacto como se não fosse inacreditável. Ao invés de 65% (como foi divulgado no primeiro dado), o Ipea se constrangeu ao explicar que, na verdade, eram apenas  42,7% dos brasileiros acreditam que se a mulher foi agredida uma primeira vez e continuou no relacionamento é porque ela “gosta” de apanhar. O instituto também revelou que 35,3% dos brasileiros concordam que se a mulher soubesse se controlar haveria menos estupros.
       A professora de Direito de Brasília Alessandra de La Vega disse que o número de denúncias não indica o aumento da violência, mas a reação das mulheres às atitudes machistas. Para a professora o número alto de ocorrências no DF mostra que a região não aceita mais a violência. “Eu acho que é uma falsa estatística. Eu acho que é uma estatística que esconde o grande protagonismo cívico das mulheres do Distrito Federal em não quererem mais compactuar com a violência [...] é um número a se aplaudir e não a se lamentar. A gente pode lamentar a agressão em si, mas prestigiar a iniciativa dessas mulheres que romperam essa barreira do silêncio”.
O machismo nosso de cada dia - O documentário Eu, machista realizado pelas jornalistas Camila Schreiber e Luísa Leite mostrou cotidiano machista no Brasil. As jornalistas indicaram as pequenas atitudes que já detectam o sexismo nas conversas, no ambiente de trabalho. Segundo o filme, a sociedade já é ensinada a ser machista desde a infância. Ao chamar o educador de professor e a pedagoga de tia, percebe-se a diferença no tratamento dos profissionais. Na separação de mulher para casar mulher para ficar também os estereótipos machistas dentro da construção da imagem do feminino.
Veja o documentário completo:
       O machismo vem disfarçado. É na censura de algumas atitudes, roupas e vocabulários. A jornalista Luísa Leite disse que já sofreu machismo. Ela alegou que sofreu preconceito para tirar a carteira. “Para a mulher, tinha que ser mais caro”. A jornalista também contou que muitas vezes em festas os próprios amigos comentam que ela não devia ingerir bebida alcóolica, que não deveria se expor.  “Sei que estão preocupados com o meu bem-estar, mas quem tem que mudar o comportamento não sou eu; quem tem que mudar é o agressor que pode fazer alguma coisa comigo porque estou bêbada”, explicou.
        As jornalistas disseram que não se surpreenderam com a quantidade de respostas machistas no vídeo.  Para Camila Schreiber, as pessoas não percebiam o machismo nos comentários. “O que as pessoas fazem que são tão machistas, são tão sexistas que nem as pessoas sabem. São atitudes tão ‘normais’ que elas realmente não conseguem perceber. Então, a gente fez esse recorte assim nas pequenas coisas para mostrar que esse machismo, esse sexismo ainda está inserido.” 
       Camila Schreiber reforçou que a mulher não é machista, mas reproduz o machismo imposto nela. Segundo a jornalista, a competição entre as mulheres faz com que elas reparem na roupa da outra e no comportamento dela em festas.
       O tema do machismo mexe com muita gente. Falta informação e esclarecimento sobre o assunto. A Agência UniCEUB  foi às ruas conversar com as pessoas sobre o tema. Veja o vídeo:
 Violência doméstica - A tortura não tem fim. Há casos em que a criança também vira vítima. Uma mulher foi algemada pelo companheiro enquanto ele batia na filha dela do primeiro casamento. O motivo: suspeita de traição. Para forçá-la a confessar um possível adultério, ela apanhou e viu a filha ser alvo dos maus tratos. Depois desse caso, a vítima procurou a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) e pediu ajuda.
   Outra mulher também sofreu com as agressões do marido. Ela disse que o companheiro a ofendia verbalmente e também a filha de nove anos.  “Quando faço o que ele pede, é tudo uma maravilha”. Ao ser contrariado o parceiro começa com as agressões. “Vadia” é o primeiro vocativo usado pelo marido nas brigas. Segundo a vítima, ele não foi violento, mas confessa ter medo e querer apoio o quanto antes.
    A delegada da DEAM Patrícia Bozolan disse que é comum que as mulheres já tenham apanhado mais de uma vez antes de procurar ajuda. “Ele se arrepende e a mulher acha que ele pode mudar, então insiste no casamento”. A delegada também reforçou a violência em “escala”. Para ela, tudo começa com as ofensas e xingamentos, o que interfere na autoestima da mulher, depois inicia a violência.
     Pesquisa do Ipea apontou que a Lei Maria da Penha reduziu o caso de violência doméstica no país. Segundo o instituto reduziu em 10% o número de homicídios domésticos. A Lei entrou em vigor em agosto de 2006. O estatuto coíbe e previne a violência doméstica e familiar contra as mulheres de qualquer classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião.
Confira a entrevista com a delegada:
 O machismo no mercado de trabalho - O machismo está presente no mercado de trabalho. Expressões configuram o homem como aquele que deve manter a casa e a família e o incentivam a pensar em exercer uma profissão. A mulher, no entanto, é educada a ficar em casa. Apesar de já ser comum as mulheres em altos cargos, ela ainda recebe menos do que o homem. Segundo pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), a mulher ganha até 46% a menos do que o homem no DF. A média de salário é R$ 2.680, enquanto os colegas do sexo masculino arrecadam R$ 3.439. Uma mulher que não quis se identificar disse que ela não iria poder trabalhar em uma empresa por ser mulher e de o ambiente de serviço ser majoritariamente masculino. Segundo a vítima, também falaram a ela que mulher engravida e é mais complicado para trabalhar. Ela contou que depois a empresa voltou atrás e trabalha nesse lugar há 10 anos.
       O professor de História e de Antropologia de uma faculdade em Brasília, Fred Tomé, disse que o machismo é cultuado no país como um motivo a se orgulhar. O preconceito é reforçado em piadas no dia a dia (mulher no volante perigo constante; mulher precisa de terapia... Ter a pia cheia para lavar). E nas tentativas de “humor”, o machismo perdura. “O machismo é visto como um orgulho brasileiro” comentou o professor.
 Veja quem o machismo já matou esse ano:* - Mulher não identificada, 31 anos, morta a pauladas pelo companheiro no domingo (1/3) em Salvador (BA). Ele a agrediu na frente do filho de nove anos.
Angélica da Silva, 25 anos, morta após receber várias facadas pelo companheiro em cinco de janeiro no Paranoá (DF).
Mulher não identificada, 33 anos, morta a facadas pelo ex-marido. Ele se suicidou. O crime ocorreu na manhã de 30 de janeiro da Cidade Ocidental (DF).
Carla Rodrigues, 23 anos, estuprada e morta com golpes de vaso sanitário pelo marido. Ele se entregou à polícia e pode responder em liberdade. O crime ocorreu no dia 27 de fevereiro em Recife (PE).    

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